sábado, 12 abril, 2025
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As mentes da Esquerda e da Direita

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No contexto político, a Esquerda e a Direita correspondem a agregados de perspetivas ideológicas que se opõem numa enorme variedade de assuntos económicos, sociais, filosóficos e culturais.

Mas o que leva umas pessoas a apoiar um lado em vez do outro? O que é que faz com que algumas pessoas tendam a ser de Esquerda, e outras de Direita?

O meu propósito com este artigo é recorrer às áreas da Psicologia Social, Antropologia e Psicologia Evolutiva para analisar os demais fatores por detrás destas diferenças políticas gritantes.

O psicólogo social Jonathan Haidt publicou em 2012 um livro chamado “The Righteous Mind: Why Good People are Divided by Politics and Religion”, que aborda precisamente estas questões.

Segundo a explicação proposta pela equipa do autor, apelidada de “Teoria das Bases Morais”, apesar de haver vastas diferenças entre culturas, a moralidade sempre partilhou temas e semelhanças entre populações distintas.

Essencialmente, esta teoria sugere que existem vários sistemas psicológicos inatos no cerne dos nossos “valores intuitivos”. A partir destes valores, as sociedades constroem virtudes, narrativas e instituições, resultando nas diversas perspetivas morais que observamos por detrás dos demais conflitos políticos.

Com este modelo explicativo não estou a insinuar que todos estes sistemas são morais no sentido de serem igualmente “bons”; a teoria delineia uma explicação descritiva, e não normativa, da moralidade humana. O processo evolutivo não quer saber da bondade inerente dos sistemas psicológicos, mas sim da capacidade desses sistemas manterem a cooperação e promoverem a sobrevivência e a reprodução de indivíduos e grupos.

A elaboração original da teoria identificou seis bases morais principais, que são fortemente corroboradas por estudos realizados entre várias culturas:

  • Compaixão/sofrimento: Esta base relaciona-se com a nossa longa evolução enquanto mamíferos com sistemas de vinculação emocional e uma capacidade de sentirmos (e não gostarmos de sentir) a dor dos outros. Inclui as virtudes da empatia, simpatia, gentileza e afeto.

As pessoas de Esquerda tendem a atribuir uma maior relevância a esta base quando comparadas com as de Direita, mas a diferença não é muito grande (retomaremos este ponto adiante). No entanto, os esquerdistas tendem em média a sentir uma maior compaixão por animais e outros seres vivos do que os direitistas.

  • Justiça/fraude: Esta base denota o processo evolutivo do altruísmo recíproco. Inclui as virtudes do merecimento e dos direitos.

As pessoas de Direita tendem a ver a justiça através de uma perspetiva de mérito e proporcionalidade, ou seja, procuram recompensar o desempenho, o trabalho, a competência e a dedicação. Têm ainda uma visão mais punitiva/retributiva no que toca a lidar com infratores (regem-se por máximas como “Cá se fazem, cá se pagam”, ou “Olho por olho, dente por dente”).

Já as pessoas de Esquerda tendem olhar para a justiça como uma questão de igualdade e equidade, vendo injustiças sempre que existam discrepâncias de resultados e oportunidades. Além disso, têm uma visão mais reabilitadora/reintegradora no que toca a lidar com infratores.

  • Lealdade/traição: Esta base remonta à nossa longa história enquanto criaturas tribais capazes de formar alianças. Está presente sempre que as pessoas se reveem num grupo onde a máxima é “um por todos e todos por um”. Inclui as virtudes do patriotismo e a disposição do indivíduo para se sacrificar pelo bem do grupo.

Esta base, num contexto de conflitos entre diferentes grupos demográficos, tende a ser mais prevalente entre os indivíduos de Direita, enquanto que quem é de Esquerda tende a possuir uma visão mais cosmopolita.

Contudo, isso não significa que não existem instintos tribais à Esquerda. Em geral, a Direita prioriza quem é geneticamente semelhante, ao passo que a Esquerda prioriza quem é ideologicamente semelhante (muitas vezes até com um nível de intolerância muito maior).

  • Autoridade/subversão: Esta base foi moldada pelo nosso historial primata de interações sociais hierárquicas. Inclui as virtudes da liderança e obediência, a valorização e o respeito por figuras de autoridade ilustres e o respeito por costumes e tradições.

Como seria de esperar, esta base moral costuma ser mais importante para quem se identifica como de Direita. Mas temos visto um aumento da importância concedida a esta base por parte da Esquerda, que apela frequentemente à “autoridade” do consenso e dos especialistas.

  • Pureza/degradação: Esta base é influenciada pela psicologia por detrás da repulsa e contaminação. Inclui a busca por adotar um estilo de vida mais elevado, transcendente, menos carnal, mais nobre e mais “em sintonia com a ordem natural” (muitas vezes presente em narrativas religiosas). Esta base denota a perspetiva de que o corpo é como um templo que pode ser profanado e sujado pelas atividades em que o indivíduo escolhe participar. Inclui as virtudes da disciplina, autocontenção, aspiração à grandeza, naturalidade e espiritualidade.

Mais uma vez, é mais comum observarmos esta base moral em direitistas. No entanto, também a observamos comummente em esquerdistas, o que é ilustrado por exemplo nas dietas vegan, na proteção do meio ambiente, ou na adesão ao movimento “New Age” com todas as suas conotações espirituais, místicas e holísticas.

  • Liberdade/opressão: Esta base corresponde aos sentimentos de indignação e ressentimento que as pessoas sentem por quem os domina e restringe a sua liberdade. As intuições da liberdade entram muitas vezes em conflito com as da base da autoridade. A virtude aqui corresponde ao ódio sentido contra tiranos que leva as pessoas a juntarem forças em solidariedade para lhes fazer frente.

Aqui, as pessoas de Esquerda e as de Direita voltam a ter perspetivas distintas. A Esquerda tende a ver a liberdade como a acessibilidade das pessoas a diferentes bens e serviços, à capacidade de poderem viver em condições dignas e a um maior poder de escolha; portanto, veem liberdade mais como a ausência de obstáculos, privilégios ou entraves.

Por outro lado, a Direita costuma ver a liberdade como a possibilidade de agir de forma voluntária, isenta de agressão externa, independentemente das condições financeiras ou sociais de cada pessoa; veem liberdade como ausência de coerção.

Numa primeira etapa de um estudo, fizeram-se inquéritos com base em questionários de perguntas simples sobre vários cenários e situações de índole moral, para testar o peso que os participantes atribuíam a cada uma das bases morais. Desta maneira, avaliou-se o sistema individual de bases morais de cada pessoa, consoante o peso que é atribuído a cada uma das seis bases principais que acabámos de enumerar.

Os participantes foram ainda questionados sobre a sua orientação política num espetro Esquerda-Direita, e os resultados revelaram discrepâncias gerais significativas entre os sistemas de bases morais destes dois grupos.

As pessoas de Direita tendem a atribuir um peso uniformemente elevado a todas as seis bases morais, enquanto que as pessoas de Esquerda tendem a importar-se quase exclusivamente apenas com as bases da compaixão e justiça.

Na mundivisão da Direita, uma sociedade moral implica ordem, respeito, identidade, propriedade privada e tradição, para além de (e não em vez de) compaixão e justiça. Para os esquerdistas, as outras bases que não sejam estas duas são muito menos relevantes no que toca a determinar o caráter moral de uma pessoa ou cenário.

Mas esse nem foi o resultado mais interessante deste estudo. Numa segunda etapa, após responderem ao questionário com base nos seus valores pessoais, foi feito um novo teste: pediu-se aos participantes que respondessem ao mesmo questionário, mas que desta vez respondessem como acreditavam que responderia uma pessoa da orientação política contrária à sua.

As diferenças foram bastante reveladoras. As respostas das pessoas de Direita ao tentarem simular a Esquerda foram consideravelmente parecidas com as respostas reais que as pessoas de Esquerda deram na primeira etapa do inquérito. Já as respostas que as pessoas de Esquerda deram ao tentar imitar a Direita foram bastante diferentes das respostas verdadeiras da Direita na primeira etapa.

Os esquerdistas assumiam frequentemente que a Direita não se importava de todo com as bases da compaixão e da justiça. Na sua perspetiva estereotipada e caricata, aqueles que são de Direita não passam de psicopatas insensíveis e cruéis.

Existe sempre algum grau de falta de compreensão entre as duas alas políticas. No entanto, essa falta de compreensão não é simétrica. Em média, a Direita entende bem melhor como a Esquerda pensa do que a Esquerda entende como a Direita pensa.

Colocando agora de parte a Teoria das Bases Morais, existem outras diferenças psicológicas interessantes entre a Esquerda e a Direita no que toca a personalidade, temperamento e círculos sociais.

Observemos as diferenças entre a Esquerda e a Direita no que toca aos principais traços de personalidade.

As pessoas de Esquerda tendem a ser por norma mais abertas à experiência. Gostam de explorar atividades e culturas novas e diferentes, de sair da sua zona de conforto, de viajar e de viver de maneira mais espontânea. Já os direitistas tendem a preferir rotina e familiaridade.

Os direitistas tendem a ser mais conscienciosos, ou seja, mais diligentes e mais capazes de planear o futuro e controlar os seus impulsos. Têm uma taxa de preferência temporal mais baixa, o que significa que estão mais dispostos a abdicar de uma gratificação imediata em troca de uma maior recompensa a longo prazo.

À Esquerda, os indivíduos são geralmente mais neuróticos, isto é, mais emocionalmente instáveis, com uma maior tendência para sentirem emoções negativas (tristeza, raiva, inveja, etc.) e com uma menor capacidade de regular as emoções. Não será de admirar que existe uma associação considerável entre uma orientação política mais à Esquerda e problemas de saúde mental como depressão, ansiedade e perturbações de personalidade.

As pessoas de Direita tendem a ser pessoas mais agradáveis. Isto é, são estatisticamente mais cooperativas, calorosas, atenciosas, simpáticas e formais. Talvez esta discrepância possa ser explicada pela maior aversão dos esquerdistas face a normas e papéis sociais convencionais de etiqueta e formalidade.

Por último, não se observam diferenças muito significativas entre a Esquerda e a Direita no que toca ao traço da extroversão.

Vamos agora falar das distinções a nível dos círculos sociais.

Normalmente, as pessoas com quem os indivíduos à Direita se associam tendem a refletir um padrão de círculos concêntricos a emanar do “Eu”. Eles tendem a identificar-se primeiro consigo mesmos, depois com a sua família, com a sua comunidade, com a sua etnia, com a sua raça e com a sua Nação, seguindo uma ordem de semelhança e proximidade genética.

A Direita exibe níveis mais elevados de etnocentrismo, ou seja, os direitistas estão mais dispostos a incorrer prejuízo próprio pelo bem do seu grupo (etnocentrismo positivo) e a infligir sofrimento aos outros grupos pelo bem do seu grupo (etnocentrismo negativo).

Dito de outra forma, a Direita sente mais aversão e desconfiança por pessoas de outros grupos e também mais amor e sentido de proteção por pessoas do seu grupo.

Os esquerdistas, pelo contrário, tendem a identificar-se com grupos completamente diferentes de si mesmos, sejam essas diferenças genéticas ou de outra natureza. Costumam identificar-se com pessoas de outro país, de outra etnia ou de outra classe económica.

À primeira vista, pode parecer que a Esquerda é mais humanista, mais nobre e mais tolerante do que a Direita. Que se importam com todas as pessoas de maneira igual e sem preconceitos, que são mais altruístas e comunitários, e que têm uma personalidade mais pró-social.

Certamente há muitos casos em que é essa a verdade, até ao ponto de serem ingenuamente abertos e tolerantes e partirem do pressuposto que os grupos que pretendem incluir também partilham esses mesmos valores de abertura e tolerância. Um exemplo disto é o apologismo do Islão que encontramos frequentemente nos movimentos e associações de Esquerda, quando na verdade a cultura islâmica é das mais intolerantes e sexistas que existem.

No entanto, uma porção considerável das pessoas de Esquerda, nomeadamente os mais extremistas, tendem a juntar inconscientemente um carácter maquiavélico e narcisista à sua falta de etnocentrismo e à sua identificação com grupos diferentes do seu. A vertente maquiavélica implica que eles desejam controlo e poder sobre os outros, e a componente narcisista significa que eles anseiam por reconhecimento e popularidade, achando-se mais especiais e importantes que os outros. Isto quer dizer que a típica personalidade do esquerdista extremo é megalómana e pautada por uma visão messiânica do “Eu”.

Nestes casos, a identificação de um esquerdista com pessoas de outras demografias é uma estratégia inconsciente para ganhar prestígio e segurança pessoal. Estabelecem alianças com grupos que são hostis ao seu próprio povo porque isso representa uma oportunidade para ele satisfazer os seus próprios interesses políticos, emocionais e financeiros, mesmo que isso implique sacrificar o bem-estar da sua família genética alargada. Usando uma hipérbole neste contexto, podemos afirmar que estes esquerdistas têm uma tendência para serem traidores natos.

Não costumam ser verdadeiramente altruístas, mas gostam de exibir publicamente uma aparência de altruísmo, de parecer que estão do lado dos mais desafortunados e dos discriminados, e de transmitir uma aura de santidade em redor da sua pessoa.

Tudo isto tem um nome: sinalização de virtudes, para se sentirem melhor consigo mesmos e poderem desfrutar de uma sensação de superioridade moral que os faz destacar-se dos demais.

Termino este artigo com uma ressalva importante.

O que eu descrevi até agora não corresponde a características absolutas que existem em todas as pessoas de um ou do outro extremo do eixo político, mas sim a atributos que tendem a ser mais frequentemente encontrados em cada um dos grupos.

Uma pessoa com uma personalidade, temperamento e valores mais tipicamente encontrados na Esquerda política pode bem assumir uma orientação de Direita, e vice-versa. É improvável que isso aconteça, mas não nos podemos esquecer que não é por alguém estar mais predisposto a adotar uma ideologia política, que esse alguém está predestinado a adotá-la.

No entanto, como foi elaborado, existem fatores “inatos” que explicam porque é que algumas pessoas são de Esquerda em vez de Direita para além do ambiente em que foram criadas, da educação que receberam ou do conhecimento que possuem.

Como vimos, os nossos valores instintivos, o nosso temperamento, a nossa saúde mental e o nosso carácter são variáveis cruciais na determinação da nossa orientação política.

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