
Introdução
No dia 05 de dezembro de 2024, tive a oportunidade de participar no podcast da ZugaTV e apresentar a minha visão sobre as principais fações que se irão destacar no futuro da dita “direita” ocidental. No final, fui desafiado a dar um nome à teoria que consagraria a amalgama de elementos libertários, nacionalistas cristãos e revisionistas que constituem a chamada “direita radical”. Optei pelo nome “Soberanismo”.
A soberania é a base do termo. Emerge como um conceito dual, refletindo tanto as dinâmicas do poder político quanto as profundezas da autonomia e poder individual. Na vertente política, a soberania é o pilar incontestável de um Estado, concedendo-lhe o poder supremo e a independência necessária para legislar, administrar e ditar sua própria trajetória internacional sem a interferência de forças externas. É a essência da autoridade que um país exerce sobre seu território e seus cidadãos, delineando as fronteiras onde a influência de outros Estados cessa.
Infelizmente, vivemos numa era onde os povos e respetivos Estados estão acorrentados e privados de liberdade para definir o seu futuro fora da ordem globalista liberal.
Por outro lado, a soberania assume uma dimensão mais íntima e pessoal quando aplicada ao indivíduo. Aqui, ela transforma-se numa metáfora para a autonomia e o autogoverno de cada ser humano, representando o ideal de liberdade pessoal onde cada um é o capitão de seu destino. Olhando para o primeiro coletivo de todos, o coletivo natural e mais inevitável de todos, enquanto célula base da sociedade, a família é diretamente afetada pela soberania dos indivíduos que a constituem.
Esta soberania individual é a capacidade de tomar decisões, de moldar a própria vida dentro dos limites impostos pelas leis e normas sociais. É a busca pela responsabilidade sobre si mesmo, pela integridade de suas escolhas e pela construção de uma existência que reflita aspirações profundas e de valor notório.
Assim, a soberania, seja no nível das nações ou dos indivíduos e famílias, é uma dança que conjuga a noção de poder e liberdade, entre a governança externa e a autogovernação interna, onde cada esfera reflete a outra, como espelhos que capturam a complexidade da autoridade e da autonomia humana.
“Indivíduos fortes levam a famílias fortes. Famílias fortes levam a comunidades fortes. Comunidades fortes levam a regiões fortes. Regiões fortes levam a países fortes.”
Francisco Araújo
I
Esta direita radical foge da direita centrista e tradicional, quer no discursos, quer nas ideias.
Tal como categorizei no podcast, existe uma direita “petersoniana” que se tem vindo a destacar nos últimos anos. Esta é a direita que não era mainstream há 10 anos, por estar no limite da Janela de Overton que a esquerda modelou para o palco político americano e europeu, mas que tem vindo a moderar-se face à tendência radical geral.
Esta doutrina foca-se na mudança da política pela via pessoal, através de uma melhoria individual que visa a autorresponsabilidade e uma esfera bastante personalista do indivíduo, sem remeter a discursos identitários, agressivos ou questionadores da semente que germinou o atual status quo, embora crítica do seu resultado.
Por esse motivo, Jordan Peterson usa a figura da lagosta para caracterizar metaforicamente conceitos relacionados com o comportamento humano e hierarquias com base em vários pontos-chave da sua análise.

A direita de Jordan Peterson, complacente com a visão geopolítica ocidental do pós II Guerra Mundial, com a manutenção do pensamento conservador de respeito estatista pelas instituições modernas e a busca pela “auto ajuda” desligada de Cristo, porém apegada aos “valores (judaico) cristãos” que ajudam nas vendas de livros, parecia bastante disruptiva na crítica ao “wokismo” que degradou as instituições académicas, a saúde mental das populações ocidentais e inclusive o “femismo”, enquanto estado avançado e extremo do feminismo.
Ora, numa primeira vista, podíamos dizer que esta direita seria compatível com o Soberanismo de cariz individual e familiar, porém, ficou estagnada. Os anos de 2016, 2017, 2018 e 2019 já passaram e felizmente não voltarão. A pandemia matou a credibilidade intacta da comunicação social e das instituições do Estado, mas a direita da “lagosta”, que Peterson tanto gosta de usar como analogia nas suas entrevistas, já não é suficiente.
Numa altura em que o questionamento do feminismo e do multiculturalismo tinha de ser feito com pinças, dadas as limitações da Janela de Overton à época, não é de todo chocante dizer que esta pseudo direita, que em condições normais de centro-direita não passaria (e já estou a ser simpático), teve um papel útil no processo evolutivo da verdadeira revolução cultural que a direita tem vindo a desenvolver nos últimos cinco anos.
Sim, cinco anos específicos, pois considero que a pandemia acelerou a deterioração de um sistema construído numa pirâmide de cartas insustentáveis. Desde a década de sessenta até ao ano de 2020, podemos dizer que o Ocidente viveu sob o efeito “bluepill”, onde mentiras e falácias construídas nos círculos académicos americanos e europeus perduraram sem questionamento, protegidos pelo manto do politicamente correto que permitiu aos status quo liberal-marxista do pós guerra moldar as perceções e crenças de centenas de milhões de pessoas com total impunidade.
A era do “bluepill” permitiu à esquerda passar por centro, e à direita passar por “extrema-direita”. Permitiu que falsidades como a teoria do “Fora de África” legitimassem o multiculturalismo que sentimos hoje, assim como o feminismo que visou destruir o patriarcado que construiu todas as civilizações existentes da Humanidade, fossem europeias ou não.
Foi também a era “bluepill” que permitiu generalizar a ideia de que o Estado Social era uma forma de progresso e não regressão, que a família era uma instituição ultrapassada e que o aborto em massa não é uma forma de genocídio.
No geral, os ideais do igualitarismo (económico e social) pós 1789, que tinham sido amplamente danificados pelas revoluções de terceira via europeias e pelo breve populismo nacionalista americano, conseguiram ter tempo para respirar e construir o seu mundo ideal, que, novamente, falhou.
II
A pandemia foi o choque que permitiu a milhões de pessoas perceber que os Estados democráticos não têm os interesses dos cidadãos em primeiro lugar. Permitiu a milhões das massas perceber que, num cenário de crise, o contrato social imaginário sobre o qual têm vivido, não passa de uma farsa.
Este despertar deu espaço para a direita radical ultrapassar a esquerda que se mascarou de centro e a falsa direita que sempre foi igualitária, ou seja, de esquerda na sua génese.
Os moderados petersonianos, não necessariamente seguidores da figurante crescente e central de Jordan Peterson, mas certamente idênticos e influenciados na forma de raciocinar, quiseram ficar em cima do muro nos vários temas que começaram a tornar-se diários.
Depois da pandemia veio a imigração. As redes sociais censuraram, mas não conseguiram censurar para sempre. Elon Musk, um “tech bro” que eu não considero de direita, dado que me aparenta ser unicamente movido por interesses tecnocráticos pessoais e não ideológicos, fez questão de dar uma nova oportunidade à direita populista ocidental.
Porquê?
A esquerda tem uma visão amplamente oposta à de Musk em assuntos que lhe são chave. A visão de “decréscimo” económico, a oposição à liberdade económica e de inovação que Musk tanto precisa para os seus projetos e sonhos – como a ida a Marte e a interconexão populacional pelo Neurolink – foram o suficiente para Musk decidir apoiar aqueles que lhe dariam mais espaço de manobra em troca dos meios para uma vitória eleitoral.
Esta é a minha interpretação daquilo que tem sido Elon Musk nos últimos 2 a 3 anos, incluindo no recente apoio ao AfD, que, na verdade, é apenas um apoio à fação associada às ideias libertárias, mais moderada e economicista, de um partido que só é relevante pela defesa da Remigração.
Após responder à pergunta do “porquê”, é importante perceber que a direita transcende Musk e que este não é uma fação da mesma. As restantes fações já foram referidas, mas podem e devem ser mais detalhadas.
Por um lado, temos a direita do Peixe. Porquê o peixe? Acima de tudo, representava Jesus Cristo. A língua dominante da Igreja primitiva era o grego, e em grego a frase “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador” produziu a sigla ICHTHYS, a palavra grega para peixe.

Inicialmente usei a descrição de direita do Peixe, porém, para nos mantermos coerentes com o uso de seres vivos, passarei a utilizar o Peixe como fora originalmente discutido na conversa de 5 de dezembro.
Esta é a direita que se preocupa com os ideais de Cristo e busca modelar a sociedade aos valores que se perderam com o liberal-marxismo corrupto e infiltrado no Ocidente. A defesa do patriarcado pela via de instituições basilares como a família e o casamento natural; a oposição à islamização do ocidente; a defesa de um papel mais ativo do voluntarismo; a defesa de uma Igreja mais presente e um crescente isolacionismo oposto à globalização liberal capitalista, são algumas das principais bandeiras desta direita.
Existem críticas legítimas a serem feitas. Por um lado, a sua neutralidade desglobalizante e isolacionista é contraditória com o seu apoio incondicional a Israel. É legítimo que se denuncie o Hamas por ser um grupo terrorista? Claro que sim. É legítimo que possamos dizer que a Palestina não é um Estado por não cumprir critérios mínimos de um Estado? Certamente.
Mas é bom lembrar aos apoiantes do Peixe aquilo que São Piu X, pré-Vaticano II, disse sobre o Sionismo:
“Não podemos dar aprovação a este movimento. Não podemos impedir os judeus de irem a Jerusalém, mas nunca poderíamos sancionar isso. A terra de Jerusalém, se nem sempre foi Santa, foi santificada pela vida de Jesus Cristo. Eu, como chefe da Igreja, não posso dizer o contrário. Os judeus não reconheceram o nosso Senhor; por isso não podemos reconhecer o povo judeu.”
Um povo e Estado soberano não se pode sentir obrigado nem subvertido a apoiar quem não cumpre com os seus requisitos. Nem Palestina, nem Israel, devem ter o apoio de uma direita europeia que se diz cristã, pois não só é incoerente no ponto de vista da fé, como também é contraditório no ponto de vista patriótico e populista de quem diz querer colocar o seu povo em primeiro, numa tentativa eticamente correta de evitar conflitos com outros povos.
Além disso, os primeiros líderes ocidentais que forem sensíveis à visão dos mais jovens nesta matéria terão vantagens eleitorais e serão relembrados no futuro, dado que a maioria dos jovens do nosso espaço civilizacional é claramente contra uma doutrina sionista insustentável.

Certamente existirão figuras desta direita que me tentarão cancelar por dizer isto, mas o tempo encarregar-se-á de as cancelar no futuro. A esquerda olha erradamente para a Palestina numa perspectiva vitimista, pelo que é legítimo, nem que seja enquanto cristãos, reconhecer as críticas do Papa Francisco face ao massacre de crianças e mulheres inocentes e em massa, tal como se deve criticar os ataques terroristas contra israelitas inocentes por parte de organizações anteriormente financiadas pela inteligência ocidental.
Os opositores de direita baseiam-se em críticas legítimas de académicos realistas como John Mearsheimer, no seu livro O Lóbi de Israel e a Politica Externa dos Estado Unidos da América, face à irracionalidade de um apoio incondicional que em nada beneficiou o Ocidente e, pelo contrário, apenas desestabilizou uma região geográfica importante.
Os milhões de refugiados que quiseram vir para a Europa não vieram por acaso. Os grupos terroristas previamente apoiados pelo dinheiro de contribuintes ocidentais não vieram por acaso.
Sobre as aproximações e lentes teóricas para a política internacional do povo e Estado portuguez, falaremos noutro capítulo.
A direita do Peixe tem ainda mais problemas. Muitos dos seus intervenientes principais não praticam o Cristianismo que dizem defender. Não só a título pessoal, mas especialmente em termos teóricos.
A Igreja sempre defendeu o dízimo para as igrejas locais como um meio de posterior financiamento de ajuda aos mais necessitados (especialmente aqueles sem apoio familiar), manutenção do património, eventos culturais para os populares, educação, saúde e burocracias. Olhando em retrospetiva, eu, e talvez tu, assinarias um contrato onde só existisse um imposto de apenas 10% em troca de todos estes serviços.
Infelizmente, a direita do Peixe ainda não tem coragem para ser totalmente antissistémica no panorama económico onde o Estado moderno é central.
É do seu total interesse que esse Estado moderno seja destruído e que se crie um vazio a ser ocupado maioritariamente pela única instituição com presença e legitimidade social para o fazer, a Igreja. Enquanto isso, novas formas de organização social constituiriam o corpo da economia nacional, inspirado no corporativismo medievo que engrandeceu a Europa, porém, adaptado às condições materiais e desafios modernos.
Em vez disso, existe um apego a teorias liberais e keynesianistas que em nada beneficiarão a causa da direita do Peixe, pois estas teorias já foram criadas num contexto de materialismo dominado por modelos económicos que apenas beneficiam elites opositoras ao própria Peixe.
Consequentemente, essas elites continuam a criar os incentivos políticos, legais e económicos para o avanço do feminismo que desmantela diariamente o patriarcado que a direita precisa. Não me preocupo muito com a ausência de um discurso inflamatório contra o igualitarismo do feminismo, pois esse é o papel da direita “redpill” (como veremos adiante).
É mais produtivo para esta direita, cada vez mais próximo do poder institucional com a recente vaga populista pós Trump, que tem abalado os sistemas democráticos liberais ocidentais, que se fale da imigração.
Este, inserido no tópico da “demografia”, é o assunto do século. Claro que o feminismo e o enfraquecimento do patriarcado também são fulcrais, mas não esqueçamos que vivemos numa sociedade democrática onde a mulher já tem o voto garantido e o imigrante não.
Quero com isto dizer que a mulher se tornou numa figura política imprescindível na participação do sistema democrático, além de ser uma enorme fatia da máquina que sustenta esse sistema pela via eleitoral, tornando-se assim num suicídio político de qualquer partido na modernidade que queira mudar um sistema democrático liberal por dentro, questionar tão frontalmente a questão feminista.
Se esta fação institucionalizada tem o poder para mudar a narrativa e perceção política sobre o igualitarismo multiculturalista, então que seja esse o foco enquanto questiona a corrupção sistémica e natural dos sistemas democráticos liberais.
Se o preço para ter sucesso nesse tema é abdicar da questão feminista, mesmo que essa seja uma parte fulcral do desafio demográfico, então compensa mais transferi-lo para outra fação da direita.
O mesmo acontece com a economia? Não necessariamente. A defesa de uma reforma sistémica nas máquinas dos Estados afeta diretamente as elites que têm beneficiado deste paradigma.
Um político populista que prometa transferir o poder à população através de uma grande reforma no Estado, consegue ser eleito com este paradigma. Acrescento ainda que o pode fazer apelando ao eleitorado jovem da minha geração, já que a vasta maioria dos mais velhos estão dependentes de um sistema fraudulento e jamais votarão tão facilmente contra os seus interesses de curto prazo.
Resumidamente, os jovens estão a ser a alavanca da direita populista. Esses jovens querem uma grande mudança num sistema que, se não for mudado, os vai condenar a viver uma vida mais difícil e injusta do que as gerações anteriores.
Essas gerações desfrutaram de um Estado social demagógico e insustentável. A direita do Peixe não precisa de relegar uma grande fatia do discurso sobre a reforma do Estado social e gordo para os libertários. Na verdade, os libertários têm a obrigação de tentar influenciar esta direita no campo económico onde se especializaram.
Porquê apenas influenciar e não substituir? Porquê apenas no campo económico?
Aqui entra a fação da Cobra. Sobre o simbolismo, os libertários utilizam a cobra da bandeira de Gadsden como símbolo devido à sua significância histórica na Revolução Americana, representando a resistência contra a opressão. Simboliza o individualismo, a vigilância e o Princípio da Não-Agressão.

Ora, a fação da Cobra, dos libertários, é a doutrina “Tradicionalista” da economia. O tradicionalismo, enquanto defesa de valores perenes que transcendem o tempo e o espaço, tem um modelo de pensamento aplicável à economia.
A lei da procura e da oferta é um valor perene, e só os libertários têm sido coerentes na sua defesa e proposição constante. A defesa de que a descentralização está mais próxima do reconhecimento real das necessidades de um participante do sistema económico – uma realidade fundamentalmente coletiva – é, a meu ver, um valor perene em oposição ao desejo de crescente centralização.
Não só a crescente centralização é desfasada da realidade detalhada, logo, mais ineficiente, como também é criticada em textos com valores perenes. O episódio bíblico da Torre de Babel é uma crítica perene à centralização, porém, e agora partimos para a crítica ao libertarianismo, serve de igual crítica ao multiculturalismo. Este tópico histórico ficará para outra altura e reflexão.
Desde 2015 que tem existido uma aliança informal entre a Alt-Right e os libertários a nível digital. O Tea Party contemporâneo, esperançoso em Trump, e os nacionalistas, tradicionalistas e quaisquer outros “istas” que a esquerda resuma como “fascistas”, uniram-se numa cruzada conhecida como a “Meme War”, contra a cultura de cancelamento e “woke” da esquerda.
Desde então, especialmente após o primeiro mandato insatisfatório de Trump, muitos libertários deixaram de ser neutros na questão multicultural por força da invasão que o Ocidente tem vindo a sofrer.
O discurso de “podem vir desde que eu mantenha as minhas armas”, ou, “podem vir logo que se integrem”, já não é suficiente. Os libertários que olhavam para as fronteiras como construções estatais abstratas começaram a perder espaço para os libertários que se fartaram do sistema vigente e começaram a questionar a era do “bluepill”, incluindo em assuntos como o feminismo, a ordem liberal pós 1945 e 1991, e o multiculturalismo onde seríamos todos membros de um só povo global unido por interesses materiais e sem uma conexão espiritual que transcendesse a economia e a apatia do “logo que não me invadam a propriedade”.
O reconhecimento de que é possível ser-se defensor do indivíduo enquanto se defendem realidades e fins coletivos de uma forma minimamente mais coerente, tornou-se mais visível. A nível pessoal, nunca conheci tantos libertários nacionalistas e identitários como no pós pandemia. Inclusive, identifico uma certa pipeline de ligação entre estéticas e ideais de terceira via na crítica cega dos estados americanos ao Estado de Israel, graças a Ron Paul.
Continuando sobre o libertarianismo, considero que falta Julius Evola a este grupo. Quando Evola distingue o coletivismo da direita e o coletivismo de esquerda, esta reflexão encaixa como uma luva na visão desfasada que muitos liberais e libertários têm na crítica à dita “direita autoritária” e à esquerda, popularizada pelo uso da ferradura.
“Para evitar qualquer mal-entendido, e voltando ao que mencionamos um pouco antes sobre a arte dos demagogos, é, no entanto, necessário reconhecer explicitamente que, ao lado da possibilidade ‘anagógica’, existe a possibilidade ‘catagógica’ (caminhando para baixo). Existe, ou seja, a possibilidade dentro do indivíduo de ‘auto-transcender’, escapar de si mesmo ao subordinar os seus próprios vínculos e interesses mais imediatos, numa direção que não é ascendente, mas sim descendente. (…)
Para usar o termo totalitarismo corretamente, a diferença substancial pode ser brevemente expressa dizendo que o totalitarismo da Direita é ‘anagógico’, enquanto o da Esquerda é ‘catagógico’, e que apenas porque ambos são igualmente opostos ao regime limitado e vazio do indivíduo burguês é que uma mentalidade míope poderia pensar que têm algo em comum.”
Fascismo visto da Direita (Julius Evola)

Em termos simples, o coletivismo de direita visa moldar os indivíduos para uma identidade coletiva e idealizada, frequentemente com valores hierárquicos ou tradicionais no seu cerne, numa tendência onde o próprio indivíduo ascende face ao estado atual e insatisfatório proveniente dos vícios e defeitos da modernidade.
Diferentemente, o coletivismo da esquerda visa desmantelar as distinções individuais em favor de um coletivo onde todos são teoricamente iguais, muitas vezes através do nivelamento ou redistribuição de recursos e poder.
A famosa ferradura é ilógica a partir do momento em que a defesa do coletivo pela direita e pela esquerda não culminam no mesmo sentido de coletivo, pois o coletivo em si nunca foi o foco de ambas. Por outro lado, o foco crítico libertário e liberal no coletivo é um aproveitamento de segmentos e fações que se quiseram juntar ao comboio da crítica à terceira via, impopular após a II Guerra Mundial, sem perceber que, ao fazê-lo, apenas legitimavam a atomização social que a democracia liberal criou sem impunidade após a queda do modelo de vida marxista ou de terceira via.
No caso de um liberal, faria todo o sentido. No caso dos libertários, foi apenas infantil.
- O libertarianismo não é liberal.
- O libertarianismo recusa o contrato social criado pelos liberais e aproveitado pela restante esquerda.
- O libertarianismo não precisava deste tipo de discurso que o afastou de vários elementos e fações de direita que o associaram ao egoísmo.
- O libertarianismo não sobrevive sem uma sociedade que entenda o coletivo como um acréscimo ao indivíduo e não como um obstáculo ilegítimo ao egoísmo deteriorante que alimenta reações de visões opostas ao libertarianismo.
É claro que existem certos ideais libertários que não serão viáveis na minha geração ou até na próxima, como a ideia da superação do Estado. O Estado social moderno é uma instituição construída pelo Homem que será destruída pelo tempo, porém, o Stato maquiavélico continuará a existir além dessa instituição.
A entidade política e centralizada sob o controlo de um rei ou governo republicano, com um foco claro na manutenção do poder e na estabilidade pela via do pragmatismo, onde os meios justificam os fins para alcançar a existência da entidade política, perdurará por mais tempo do que aquele que muitos desejariam.
Vai continuar a existir uma ligação vertical com a população, por mais “horizontalizado” que aparente ser como na Suíça ou Lichtenstein, assim como figuras reconhecidas como líderes que acarretam a responsabilidade de liderar a entidade popular consciente de si mesma, chamada “povo”.
Se a direita salvar a Europa da crise multicultural, o que ficará para a história se conseguir tal feito, a noção mainstream de povo será bastante diferente da de hoje, pois o trauma multicultural levará a que uma consciência etnopopular e histórica se destaque em relação ao domínio da esquerda sobre o tema.
Além disso, será impossível alcançar a liberdade sustentável sem homogeneidade e harmonia social, algo que só os remigracionistas da direita podem dizer que buscam.
Acrescento ainda que sociedades livres carecem de níveis de compreensão da realidade, instituições e padrões que sociedades com baixos índices de coeficiente de inteligência (QI) são incapazes de ter. A compreensão de que a cooperação é necessária para a coesão de um grupo, carece de altos níveis de QI coletivo.
Esses níveis ainda não foram atingidos por um número satisfatório de membros dos coletivos ocidentais ou asiáticos para se realizar a mudança e sustentação completa do sistema preconizado pelos libertários.
Acrescento, para finalizar este segmento, que seria inclusive catastrófico. Não nos tornaríamos na anárquica Somália, mas acredito que não estaríamos muito longe do resultado. A repartição territorial e tribal seria previsível nos países afetados pelo multiculturalismo, apenas para termos posteriores criações de pequenas formas de Estados por parte de grupos que ainda não estariam prontos para viver nesse contexto.
III
E a direita do Sapo? Pois bem, esta merece um segmento só para si.
Esta tem sido a direita que tem movido algoritmos e mudado o panorama do pensamento político jovem com mais eficiência, inclusive alimentando indiretamente a direita do Peixe nos momentos eleitorais.
Da mesma forma que a direita radical dominou a vanguarda da comunicação na primeira metade do século XX, graças à manipulação artística da propaganda em massa e de tecnologias revolucionárias como o rádio, as novas gerações de direita estão a arrasar os algoritmos nas redes sociais pela via do humor e da metapolítica estética de curta duração.
Apesar de terem sido censuradas, a direita da Peixe e a direita da Cobra não foram tão censuradas como a direita redpill. Curiosamente, a direita redpill é mais orgânica e menos centrada em autores.
Não existe um Mises ou Marx viável para a direita redpill, nem um Peterson moderno e muito menos o agregado histórico que inspirou a atual direita populista a ser o que é. A direita redpill tem os seus próprios pequenos autores hodiernos porque é uma reação geracional.
O principal fenómeno que alimentou esta direita não foram as utopias económicas nem os desejos políticos. Foi, pelo contrário, um estado de realidade social. Antes de toda a explicação política desta fação, é importante explicar o contexto do Sapo.
A origem remete para o Pepe the Frog, criado por Matt Furie em 2005 para a sua banda desenhada “Boy’s Club“, onde se tornou num ícone da cultura da internet devido à sua capacidade em expressar emoções e situações através de memes.

Inicialmente, o sapo Pepe era apolítico, apenas usado em contextos humorísticos ou autodepreciativos, até ser utilizado por comunidades digitais de direita, particularmente no 4chan, a partir de 2015 e num contexto de campanha eleitora, remetendo para as Meme Wars já referidas.
Este contexto de guerra cultural chegou à campanha presidencial de Donald Trump, em 2016. O sapo Pepe foi adotado por grupos de direita como um símbolo, sendo frequentemente retratado em memes contra o politicamente correto da esquerda, porém, a um nível que a direita moderada nunca conseguia ir.
A Anti-Defamation League (ADL) incluiu o sapo Pepe na sua lista de símbolos de ódio em 2016. Nesta altura, a direita redpill não era filosoficamente aprofundada nem tinha bandeiras bem definidas. Era “apenas” contra a esquerda, não simbolizando a criação de algo novo, nem minimamente utópico.
Porém, os anos passaram e novos memes surgiram. Memes como o “Chad” queriam simbolizar o “homem masculino e fixe” idealizado pela direita.

Em sites como o 4Chan, a esquerda começou a juntar o arquétipo do “incel” que não tem contacto com membros do sexo oposto ao indivíduo branco que está desmoralizado com a vida, seja pelo insucesso ou por se sentir alienado da sociedade em que (não) faz parte. Nascia assim o “Chud”, numa junção dos termos “Chad” e “Stud”, que a esquerda utilizava para identificar jovens de direita “extremistas”.

A cara do Chud é, na verdade, inspirada num “school schooter” americano de El-Paso, numa clara tentativa de tentar denegrir os elementos sociais e jovens da direita, como se fossem perigosos para a sociedade. Este meme surgiu como um termo pejorativo utilizado pela esquerda para descrever um certo arquétipo de direita.
Ironicamente, esta jogada foi feita apesar dos “Chuds” demonstrarem uma consciência social e política mais profunda quando comparados aos NPCs atribuídos à esquerda, que carecem de autorreflexão por estarem em alinhamento com o status quo.

Resumidamente, a direita dizia que a esquerda era “burra”, enquanto a esquerda dizia que a direita branca e patriarcal era “perigosa”. Mais poético do que isto seria impossível. Entre ser burro ou ser perigoso, a natureza e a realidade privilegiam os segundos.
O meme do Chud evoluiu do insulto para uma forma de expressão satírica e artística, capturando a essência do herói nobre num contexto de sociedade em colapso. Representa o conjunto de jovens que se sentem ostracizados e lutam por redefinir o seu lugar na sociedade, novamente contrastando com os NPCs que se juntam a narrativas mainstream sem introspeção.
Esta jornada de autoconsciência permitiu aos Chuds moldarem a sua ideologia, que nem sempre foi de direita, num contexto de rejeição social. Quase que naturalmente, os Chuds, frequentemente marginalizados, buscaram comunidades que abraçassem o seu estatuto de outsiders que buscam uma grandeza distante, diferente da existência passiva dos NPCs.
Artigos de notícias expuseram este fenómeno, onde jovens alienados da sociedade buscavam explicações sobre as suas frustrações, principalmente com as suas relações com mulheres, numa época onde quase 60% dos homens jovens são solteiros e apenas 10% dos homens conseguem oligopolizar 60% das mulheres, num desiquilíbrio social com enormes consequências.
A direita redpill ofereceu-lhes respostas, sendo as mais importantes para este texto, o feminismo, o multiculturalismo e até o capitalismo de compadrio. Claro que alguns líderes da direita redpill criaram figuras que conjugassem todos estes problemas numa só conspiração, o perfeito redpill do filme Matrix, porém, esse método simplista não tem lugar numa teoria que visa ser completa e holística.
Por este mesmo motivo, referi que não se trata de um fenómeno teórico e ideológico, mas sim de algo orgânico e resultante de interações sociais. A capacidade de milhões de jovens ocidentais partilharem experiências comuns quanto à realidade do multiculturalismo, mercado de relacionamentos e desafios financeiros, levou a que esta massa de jovens conseguisse encontrar um propósito na sua ação online e, posteriormente, criar relações pessoais fundacionais de “bolhas”.
Essas bolhas levaram a uma solidificação deste grupo, que apesar de não ser homogéneo em termos ideológicos, é coeso no ponto de vista das narrativas que o alimentam. A esquerda costuma dizer o que eu estou a afirmar em extensos relatórios de investigação e exposição, porém, não pensem que estão errados por serem de esquerda. Não só estão certos quanto à natureza destes grupos, como também estão em pânico pelo potencial de crescimento que têm, dado que é “autisticamente” alheio e imune a décadas de propaganda e normas sociais construídas nos consensos pós 1945 e 1991.
Este grupo é o mais fraco em termos institucionais, sendo mais fraco do que os libertários que já conseguiram vencer na Argentina. Por outro lado, em Portugal já são superiores em termos de dimensão e qualidade de ativismo.
Como referi, apesar de ser um grupo relativamente homogéneo na forma de comunicar e agir, tem subfacções.
Por um lado, encontramos vitalistas que se inspiram em Nietzsche, como no caso de autores como o Raw Egg Nationalist e Bronze Age Pervert, cujo público idealiza um estilo de vida que não tem.
Por outro, temos elementos com capacidade intelectual suficiente para criar bolhas de consumo e pensamento dissidente como Keith Woods ou Nick Fuentes.
No terreno do ativismo, num cenário mais europeu, encontram-se os identitários espalhados por toda a Europa, destacando-se o trabalho de Martin Sellner. Nos EUA, também existem vários grupos, porém, bastante vulneráveis à desconfiança de interferência de serviços de segurança e inteligência, algo que afeta coletivos como por exemplo o Proud Boys.
Podemos incluir ainda outras personalidades como o Andrew Tate, que cavalgaram o algoritmo para espalhar mensagens opostas às narrativas mainstream e ganhar notoriedade pessoal.
Todas estas aproximações tiveram contributos e resultados diferentes. Todas elas foram essenciais em diferentes cenários e circunstâncias, por mais que as rivalidades não o permitam reconhecer publicamente.

IV
Concluindo, este é o cenário em que se encontra a dita “direita”. Mas, o que é a direita? Debruçar-nos-emos sobre essa pergunta num próximo artigo, dado que existem muitas arestas por limar.
Há quem pense que o PSD, CDS e IL são de direita. Não são. Há quem pense que a terceira via política não foi de direita, quando é possível dizer que o foi na sua essência.
O mais importante do texto de hoje, foi a identificação dos grupos que neste momento digladiam pela supremacia do espaço ideológico de direita, da mesma forma que os anarquistas, socialistas e marxistas lutaram de Internacional em Internacional para decidir qual a teoria que deveria representar a causa revolucionária de esquerda no final do século XIX e século XX.
Os marxistas ganharam e conseguiram que a sua visão servisse de base para as revoluções que se seguiram. Está na altura de a direita fazer esse debate e, através de uma seleção natural, ser realista ao ponto de hibridizar as melhores qualidades das diferentes fações e purgar as diferentes fraquezas, para que os ideais essenciais, fundamentais e comuns sejam defendidos de forma constante.
A 3 de outubro de 2024, disse no meu Twitter:
“Debates entre esquerda e direita são cada vez mais inúteis. Debates entre conservadores, identitários e tradicionalistas são a prioridade.”
Na altura não mencionei os libertários, embora estejam naturalmente incluídos.
Os ideias fundamentais e essenciais ainda estão por ser definidos, mas os inimigos comuns são bastante visíveis. Contudo, a praxis tradicionalista coloca-me numa posição vantajosa para procurar e definir esses fins, pois só um tradicionalista personifica a busca de tais coisas perenes e essenciais à civilização.