A nível pessoal, não tenho nada contra Pedro Passos Coelho, e é muito
louvável que tenha abandonado completamente a vida política para trabalhar
no setor privado. Um político que realmente contribui para a sociedade – que
raridade. Tornou-se consensual que Passos Coelho foi o melhor primeiro-
ministro que Portugal teve em décadas, e devemos estar gratos pelo que
conseguiu alcançar.
Um mito sebastianista cresceu em torno de Passos Coelho. Mas pergunto: este
homem era um liberal ou meramente um pragmático? O pragmatista tem
valores bipolares, cujas tendências niilistas podem levar ao barbarismo em
circunstâncias extremas. Teria sido tão eficaz se governasse em circunstâncias
normais? Ele quis tornar crime público a violação da obrigação de alimentos,
fundou uma nova empresa pública (Agência de Gestão da Tesouraria e da
Dívida Pública), aumentou o salário mínimo nacional e desejava fortalecer a
concertação social, um resquício do corporativismo. Todos os indícios apontam
para que não, e as propostas contidas no seu programa eleitoral de 2015
comprovam-no.
Para começar, ele defendeu um estreitamento das relações com a União
Europeia, considerando a expansão da adesão uma necessidade. Todavia,
mais preocupante foi o seu apoio duma União Financeira para o Crescimento e
Estabilidade. Esta medida exigiria uma união bancária e um sistema comum de
garantia de depósitos em toda a Europa, eliminando efetivamente a
concorrência no setor. O objetivo declarado era combater flutuações
económicas e criar esquemas de seguro-desemprego (p.145). No entanto, isto
resultaria na socialização das perdas bancárias, pois os depósitos seriam
garantidos coletivamente e os prejuízos recaírem sobre os contribuintes
europeus – e não só os cidadãos dum país – permitindo investimentos
desastrosas sem consequências aos banqueiros (e estadistas) responsáveis.
Essa é a ameaça do supranacionalismo: Os estados-membros mais ricos
subsidiariam políticas monetárias (estupidas) de outros, gerando ressentimento
público em vez de união. Isso enfraqueceria a autodeterminação e a autonomia
numa Europa já prejudicada pela burocracia. Apesar do seu confronto com o
BES, o PPC não pode ser visto como um adepto da banca livre.
O programa de 2015 também não previa novas privatizações (exceto a TAP,
que já estava em andamento). O número de empresas sob controlo do Estado
no primeiro trimestre de 2016 – já com os socialistas no poder – retrata um
Estado gigantesco, abrangendo hospitais, escolas, saneamento, bancário e
financeiro, turismo, transportes, habitação, tudo isso quando Passos Coelho foi
constitucionalmente destituído apenas alguns meses antes.
O programa reconhecia a superioridade do mercado livre na organização
económica e alocação de recursos, mas propôs mais regulação, minando-o ao tentar corrigir “falhas de mercado”. Durante o seu primeiro governo foi criado o
“Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão”, reestruturando entidades
reguladoras ao fundir ANACOM e ERC, reforçando poderes com medidas
preventivas e precauções (p.142). Reguladores não são superiores aos
jogadores do mercado; a crença de que preveem melhor que os agentes
económicos é um ideal gnóstico. O mercado autorregula-se através da escolha
do consumidor, concorrência e reputação, tornando a intervenção estatal
disruptiva.
Na habitação, apesar do fim dos congelamentos de rendas e uma intenção de
liberalizar o setor, propôs expandir a habitação social e benefícios para
inquilinos de baixos rendimentos, desincentivando o investimento privado. Uma
vez que os subsídios aumentariam o rendimento disponível dos inquilinos, os
senhorios começariam a cobrar mais. Em Portugal, onde a procura supera a
oferta devido a leis de zoneamento e regulações, o preço subiria com a
concorrência entre inquilinos. Não há indicação (apenas em 2017 para frente)
de que Passos Coelho teria endurecido políticas migratórias, deixando a crise
habitacional quase inalterada aos dias de hoje. A reabilitação urbana
privilegiava investimentos públicos via Portugal 2020 e Banco Europeu de
Investimento (em soma dos 3 mil milhões de euros), aumentando a procura
artificialmente e inflacionando preços, favorecendo renovadores políticos em
detrimento de pequenos proprietários. Isto ia expandir ainda mais o estado
social e a dependência de subsídios, agravando a carga fiscal sobre setores
produtivos. Ademais, promoveria a migração rural-urbana, causando pressões
demográficas que o mercado não ajustaria facilmente.
Na tributação, propôs reverter cortes salariais do setor público. Contudo,
defendeu reduzir a sobretaxa de IRS, cortes no IRC, eliminação do IMT e da
Contribuição Extraordinária de Solidariedade e impostos sobre o setor
energético, além de aliviar impostos para altos rendimentos e pensionistas.
Ainda assim, mantaria o esquema estatal insustentável (p.86-87), prevendo
benefícios à maternidade (As mães e as famílias carecem das capacidades
cognitivas para negociar, poupar e gastar como bem entenderem?),
aumentando pensões futuras, e mecanismos de reforma flexível (p.35),
interferindo em decisões que deveriam ser privadas entre empregadores e
empregados.
No sistema de saúde não prometeu melhorias, pois a programa advogava a
integração de hospitais e centros de saúde, centralizando a gestão e alocando
mal os recursos. O modelo SIGIC (Sistema Integrado de Gestão de Inscritos
para Cirurgia) fixava preços e distribuía doentes arbitrariamente, agravando
ineficiências. Restrições ao uso de medicamentos genéricos (p.43) limitariam a
liberdade de escolha de pacientes e profissionais, aumentando custos e
reduzindo qualidade, causando problemas e morte sem necessidade.
Na energia, favorecia renováveis como painéis solares e impor metas de
eficiência energética, mais uma vez aumentando custos. A integração
energética europeia (p.57) e políticas verdes reduziria a concorrência e
centralizar monopólios, prejudicando produtores e consumidores locais.
Políticos não planeiam com base em necessidades económicas, levando ao
desperdício de recursos. A falta de autonomia energética tornaria Portugal
vulnerável e dependente a decisões de Bruxelas, prejudicando a livre
concorrência. A liberdade de distribuidores e produtores deve ser garantida
para evitar distorções no mercado. Temos hodierno um socialismo do mercado.
Respeito o seu estilo de vida discreto e a sua atitude despreocupada em
relação à política e, só por esse mérito, merece ser recordado. Mas é irónico
que hoje seja aclamado como um patrocinador da direita por defender valores
familiares, omitindo a sua declaração de 2008 de que não pertence nem à
esquerda nem à direita, bem como a intransigência do Estado na prestação de
serviços ao público onde o mercado livre supostamente falha. Um reformista,
sim, mas não um defensor da liberdade, abraçando até ao fim o credo da
social-democracia.