O debate continua a existir apesar de já termos quase retirado por completo a palavra “Deus” do debate público, ainda não estamos todos satisfeitos. Existem por um lado pessoas que argumentam que a religião só existe porque o homem a criou e a manteve. Neste caso Deus precisaria de nós para existir. Por outro lado, temos pessoas que afirmam que nós só existimos e persistimos devido à vontade de uma entidade superior que por sua vez nos fez ter leis morais não declaradas verbalmente. As teorias são ambas curiosas e permitem longos diálogos. Tentarei deixar o meu parecer nesse debate.
É de fácil concordância que qualquer ateu precisa de ter fé para manter a sua tese. O que por si só já torna a sua tese contraditória. Deus nunca foi refutado cientificamente, apesar de que também nunca foi provado. Portanto o ateu com base na sua fé propõe que Deus não existe e rege-se por essa teoria. Por outro lado o religioso que compreende aquilo em que acredita tenta utilizar provas científicas para provar ao ateu que Deus existe, o que também refuta a sua própria fé, visto que se Deus fosse provado a fé seria inútil e a fé é essencial na prática religiosa. Provavelmente não estarei a demonstrar nada de novo ao leitor mais atento. Os seres humanos vivem em contradição.
O que é que podemos fazer sobre isto se qualquer resposta que seja dada nos pode deixar numa espiral contraditória da qual eventualmente não conseguiremos sair (porque talvez nem tenhamos a capacidade para nos apercebermos dessa contradição? Parece-me que qualquer tentativa de resposta que possamos dar estará associada ao significado que atribuímos à palavra “Deus” quando se debate esta questão. Porquê? Porque parece-me que todas as pessoas têm a sua definição. Há uma definição que me inquietou. Carl Jung apresentou através do seu estudo de psicanálise a teoria de que temos uma hierarquia de valores. O que quer que dê sentido às nossas vidas e que representa o topo dessa hierarquia é Deus. Independentemente da nossa crença nele ou sequer da nossa compreensão dele. O topo dessa hierarquia serve a função de Deus. O que nós usamos para dar sentido às nossas vidas. Não é curioso? Aqui podem entrar os ateus e dizer que não se referiam a esta concepção e referiam-se à concepção cristã por exemplo. Um ateu diria que a figura divina e transcendente não existe. O cristão diria que exatamente como outros eventos na vida, só compreendemos quando experienciamos. Eu levantaria questões. Não existindo uma lei moral superior a nós, de onde vêm as questões que nos chamam? Aquela ideia de que temos efetivamente livre-arbítrio (e eu creio que temos) dá-nos alento, mas podendo escolher o que queremos fazer da nossa vida, perseguindo os nossos sonhos, qual é a origem desses sonhos? Porque é que existem temas que nos parecem chamar mais do que outros? Seria esse chamamento a voz que os cristãos dizem ouvir ou é apenas uma conjugação de vários fatores que os ateus tentam exaustivamente explicar através da ciência? Não sei bem.
Podemos concluir imensas coisas do tema. Não me sinto satisfeito com a resposta que sabe a pouco de Kierkegaard “A fé começa onde a razão acaba”. Mas independentemente da resposta que se possa querer tirar deste problema existem coisas que me parecem objetivamente verdade. A moralidade existe e não me parece relativa ou subjetiva. Já conseguimos ver com a presença do pós-modernismo que essa ideia fracassou miseravelmente. Existem princípios morais pelos quais nos guiamos que só nos podem ter sido atribuídos por algo que nos transcende. Nunca na história humana foi possível ascender alguém a um lugar tão elevado que permitisse ditar objetivamente o que é ou não errado. Portanto, é quase contraditório assumir a existência do certo e do errado, do bem e do mal sem assumir a existência do divino ou do transcendente.
Existem “missões” que nos chamam. Temos o sentimento de estar no “sítio errado” na nossa vida. Procuramos algum trabalho que nos faça “sentido” e que tenha um “propósito”, mas raramente alguém chega sequer a uma aproximação exata do que isso significa. Não só um trabalho, queremos uma vida com “propósito e significado”. A incapacidade de definir exatamente o que isto significa pode ser o fim da nossa capacidade de compreensão. E talvez a resposta que Kierkegaard deu (ainda que saiba a pouco) seja o mais próximo que temos da verdade. Porque se nos dizemos seres pensantes e reconhecemos que o propósito é o mais importante das nossas vidas sem sequer compreendermos a origem da sensação de missão, ou pelo menos saber quais são os critérios que nos dão esse bem dito propósito, talvez tenhamos provado a existência de Deus aí mesmo.
Talvez esse chamamento seja a bem dita “missão” que temos neste mundo. Porque a verdade é que passamos a vida toda a perseguir o que sabemos estar muito além da nossa capacidade de compreensão e quando não o perseguimos sentimos que desperdiçamos a vida. O que quer que Deus seja (visto que não o conseguimos compreender como seres limitados que somos) parece existir e parecemos precisar mais dele do que ele alguma vez precisará de nós.