quarta-feira, 22 janeiro, 2025
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A Influência da Esquerda sobre a Direita

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A conferência “A Influência da Esquerda Sobre a Direita”, o primeiro evento do Instituto Trezeno decorrido, em Coimbra, a 5 de Dezembro de 2024, foi uma excelente oportunidade para discutir como a direita conservadora portuguesa é intimidada pelas influências e pelo condicionamento da esquerda. Todos os participantes tiveram a oportunidade de ouvir a exposição e os comentários do Professor Alexandre Franco de Sá, doutor em Filosofia pela Universidade de Coimbra e professor nessa mesma universidade, e da Joana Bento Rodrigues, licenciada em Medicina pela Universidade de Coimbra e com três pós-graduações, para além de ser vice-presidente do partido Nova Direita. 

Os oradores começaram por ter a queda do Muro de Berlim, cujo 25º aniversário ocorreu no mês passado, como referência temporal. Pressupôs-se, pelo menos até ao 11 de Setembro de 2001, que as ideologias tinham praticamente deixado de existir e, com elas, qualquer propósito de mobilização dos conceitos políticos de esquerda e direita. Esses dois conceitos, instrumentos de articulação política que haviam sido indispensáveis desde a Revolução Francesa, nomeadamente com a divisão dos deputados na Assembleia Constituinte francesa da última década do século XVIII e o debate entre Edmund Burke e Thomas Paine, haviam perdido o seu sentido de utilização. 

Após a Queda do Muro de Berlim e a libertação de vários países europeus do jugo do comunismo (teríamos ainda de esperar mais dois anos pela Albânia), os movimentos de esquerda perderam a sua referência principal que era o socialismo real ou o tal sistema económico alternativo ao capitalismo e anterior a uma sociedade sem classes nem leis. Para deixarem de serem órfãos, esses movimentos, assim como os seus intelectuais (e “intelectuais”), autopropuseram-se e comprometeram-se a se reinventarem. De facto, a perda de referências pela esquerda faz-se sentir em muitos dos seus teóricos e pensadores, o que coincidiu com a queda da influência e da representatividade eleitoral, na Europa Ocidental, do Partido Comunista Francês (PCF) e do Partido Comunista Italiano (PCI). 

Visto isto, e tendo a esquerda lidado com esta fase histórica com alguma melancolia, esta optou pela sua própria reinvenção, enquanto uma das novas etapas ou elementos cruciais do seu projecto de hegemonia cultural. O exemplo mais precoce é o chamado New Labour, a corrente de pensamento e de governação promovida pelo ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair. Este, então líder do Partido Trabalhista britânico, foi a principal figura de poder da “Terceira Via”, um sistema de ideias supostamente situado entre a esquerda e a direita e amplamente exposto e defendido, na academia, por Anthony Giddens. Todas as tentativas, muitas delas com sucesso, de reinvenção por parte da esquerda conseguiram disseminar uma percepção, em vários países e sociedades, de que a direita era desumana, “neoliberal”, economicista e incapaz de aceitar a evolução e o progresso. À esquerda, por seu lado, ficou associada o humanismo e uma suposta preocupação com os direitos humanos, cuja definição foi estendida ao longo do tempo. Lá se vão os tempos em que a esquerda era conhecida como defensora da revolução, enquanto a direita tinha do seu lado a reputação de defensora da burguesia (contra a realeza e a sociedade estamental ou de castas) e dos direitos individuais. 

Encontramo-nos numa época histórica em que a conquista da cultura é altamente facilitada pela mediatização das nossas sociedades, que é facilmente aproveitada por movimentos ou projectos ideológicos para fazer valer as suas ideias, planos e mundivisões. 

Neste avanço da esquerda e nas reações da direita à apropriação da cultura, é de destacar a relevância do senso comum. Este conceito, respeitante, entre outros elementos, à família e ao trabalho, nunca deixou de ser aquele conjunto de valores da gente e das pessoas comuns. Mais precisamente, é um conjunto de princípios da sociabilidade humana e através dos quais se geram as relações espontâneas entre as pessoas. Temos verificado uma tendência de repúdio, entre alguns círculos académicos e jornalísticos, destes valores. Não é por acaso que outros valores são impostos de cima para baixo, através da televisão, da universidade e das chamadas indústrias culturais. Todas essas instituições e, principalmente, a forma como elas são empregues são importantíssimas para que esses projectos de esquerda radical procedam a uma substituição dos valores de senso comum por valores alternativos. 

O combate político, segundo os oradores (e muitos dos participantes), voltou a ser inteligível, já que verificamos uma expressão nos vários países da hegemonia da esquerda sobra a direita. Essa assimetria da representatividade e da capacidade de manifestação das ideias de direita é notável na esfera mediática, ajudando-nos a perceber como é inibidor e determinante o acesso aos media. Indubitavelmente, essa desigualdade de manifestação ideológica ou intelectual contribuiu para que se tornasse corrente a percepção de que qualquer pessoa de direita é moralmente deficiente ou estúpida. 

Apesar de terem defendido que a divisão entre esquerda e direita continua a fazer sentido, se é que não ainda mais, os oradores admitiram a presença de uma hibridização de conceitos próprios ou relacionados com a esquerda e a direita. Antes da queda do Muro de Berlim, a divisão parecia clara: a direita era mais conservadora, defensora do livre mercado e da propriedade privada e nacionalista, ao passo que a esquerda priorizava a igualdade social e económica, era progressista, internacionalista e reclamava para si a defesa dos direitos dos trabalhadores. Com as revoluções na Europa de Leste, na penúltima e última décadas do século XX, essas características e tomadas de posição começaram a oscilar entre a sua pertença à esquerda ou à direita. Foi um contexto de globalização, livre mercado e de perda de identidades culturais que levou a direita a alterar as suas prioridades. Os partidos, movimentos, jornalistas e académicos de direita constataram que o livre mercado deixou de ser interno e passara a ser global e que muitas instituições internacionais passaram, em parte, a substituírem-se aos órgãos de soberania dos respectivos paíse,s no agendamento, formulação e implementação das políticas de cada um dos mesmos. Portanto, a direita, é possível afirmar, começou a aproximar-se da antiga esquerda, ao tentar conciliar a sua tradicional defesa do livre mercado com a proteção das soberanias nacionais, pois reparou que o livre mercado passara a transpor muitas fronteiras. 

Foi a direita que, ao mesmo que não sacrificava o seu optimismo e confiança no capitalismo e no livre mercado, teve a iniciativa de alertar para um emergente “socialismo fascizante” (para emprestar a expressão de Joana Bento Rodrigues), para os meta-capitalistas e para as grandes corporações que se ressentem com o risco e o normal funcionamento do mercado. Estas grandes e ambiciosas corporações, que ainda vêem o capitalismo como um meio inevitável para alcançar os seus próprios objectivos, não hesitam em fazer os possíveis para influenciar os governos e transformar a cultura. 

O livre mercado pensado e apoiado pela direita deixou de se concretizar. A elevação social (ou mobilidade social vertical ascendente) e económica, através do trabalho e da dedicação, sempre num contexto de mercado sem intromissão (pelo menos significativa) por parte do governo, tornou-se cada vez mais difícil. Agora, as grandes empresas controlam o mercado, e a burocracia, encorajada pelo estado, faz-se cada vez mais notar. Por exemplo, as regras aplicáveis à profissão da medicina são, actualmente, muito exaustivas, os grandes grupos de saúde determinam cada vez mais a que medicamentos e tratamentos é que podemos ter acesso e as ordens profissionais (que fazem lembrar as antigas corporações) são cada vez mais comuns. 

Outro tema muito importante que foi tratado na conferência foi a mudança de estratégia por parte da direita e a sua assimilação à estratégia da esquerda. Actualmente, a direita refere-se mais à cultura, reconhecendo-lhe, muito provavelmente, um maior nível importância. Como tal, fala mais nos meios de comunicação social e na cultura de cancelamento e na revolução cultural, fenómeno que contribuiu para o incremento da fama e da infeliz popularidade do wokismo. Isto demonstra que a direita, ou parte dela, tem estado atenta às tentativas por parte de uma esquerda que não abandona as questões identitárias e fracturantes nas suas exposições, projectos e programas. Obedecendo à prossecução da conquista da cultura defendida por Gramsci, a esquerda deixou de se concentrar nas questões de classe e desviou a sua atenção para questões que fossem capazes de dividir as pessoas em raças, etnias e sexos. A direita desde cedo se apercebeu da natureza opressiva do movimento woke, que permite a qualquer pessoa privilegiar as suas próprias percepções sobre a ciência e a realidade. Nos debates sobre o aborto, o transgenderismo e a soberania do corpo, a autodeterminação visionada pela esquerda dos nossos tempos acaba por ser uma negação da realidade. 

Os oradores concordaram que parte da direita começou a adoptar posições de esquerda, colocando-se ao lado da implementação de políticas progressistas e dando aval a políticas de “proteção” de minorias, de regulamentação das redes sociais, de de-crescimento e centradas em torno do conceito de género (ao invés de sexo). Lembro-me logo do descaramento da ministra da Igualdade, Margarida Balseiro Lopes, ao afirmar que era completamente normal, previsível e desejável que a Direcção-Geral da Saúde fizesse uma campanha sobre menstruação e se referisse às “pessoas que menstruam”. Demonstrou, portanto, estar comprometida com um governo que sofre de uma séria disforia de género político. Encontrámo-nos numa altura em que a direita se questiona se os seus opositores históricos alguma vez tiveram razão ao chamarem-na de intolerante, sexista, misógina, atrasada ou racista. Também a direita deu passagem à esquerda, quando esta se esforçou para tornar aceitável e, por fim, quase inquestionável o relativismo cultural. Já há quem tenha dúvidas sobre a superioridade da cultura ocidental, no respeito pela individualidade humana, e que se esqueça do que há de transversal nas várias nações, estados e sociedades. Um exemplo mencionado na conferência foi os Dez Mandamentos, que é uma proposta já muito antiga da distinção entre o certo e o errado. Ao colocar de lado a religião e ao combater a sua influência na sociedade, a esquerda substituiu-a pelo estado, no papel de determinar aquilo que é certo e aquilo que é errado. Aqui, assistimos à transição de estados laicos para estados anti-clericais e às suas consequências. 

Outro aspecto sublinhado pelos oradores foi o papel da reescrita ou de determinadas interpretações da história e o controlo da linguagem. Quantas vezes somos bombardeados por eufemismos na televisão e nos artigos que lemos? Já não estamos algo habituados a ler e a ouvir “interrupção involuntária da gravidez” em vez de “aborto”? Ou “república popular”, para designarmos a China ou a Coreia do Norte, em vez de “regimes comunistas”, “ditaduras” ou “regimes socialistas totalitários”? Ou “pessoa não documentada”, em vez de “imigrante ilegal”? A elaboração de meios e estratégias à direita tem levado à fragmentação da mesma, visto que parte dela parece entender que estas questões não têm importância porque não são as suas respostas que possibilitam às famílias trazerem algo para comer à mesa, no final do dia. Penso que tanto os oradores como a maior parte dos membros da audiência concordaram que a direita não se deve resignar e limitar a sua intervenção e o seu combate político aos temas económicos. 

Acabámos todos por concordar que a direita tinha de contra-atacar para apresentar a cada canto do mundo uma alternativa a um projecto hegemónico iniciado e desenvolvido pelos antigos órfãos da derrocada do comunismo na Europa de Leste e na Ásia Central. A esquerda encontrou outras formas de brilhar que não o foco na luta de classes e no planeamento central como modo de governar um país ou um império. Há que lhes dar uma resposta consistente e duradoura.

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