Miguel Sousa Tavares teceu comentários sobre os eleitores do CHEGA1. Previsivelmente, enquanto defensor do status quo da III República, o comentador dividiu o eleitorado deste partido em duas categorias: os informados e os mal formados, chegando ao ponto de usar termos como “doentes mentais”.
Tais declarações são, como disse, previsíveis. Já tivemos, e ainda temos, figuras públicas que pedem a ilegalização e consequente exclusão do CHEGA como opção democrática, mesmo que isso implique a impossibilidade de materialização das vontades políticas de 1.2 milhões de eleitores.
Opiniões como a de Miguel Sousa Tavares são características de quem quer defender com determinação o atual sistema. Arrisco-me a dizer que há uma chance futura da categorização entre esquerda e direita se tornar obsoleta para se poder compreender o posicionamento desta classe opinativa. Quem, na partilha da sua opinião pública, chega ao ponto de caracterizar 1.2 milhões de portugueses como desinformados ou mal informados, inclusive “doentes mentais”, apenas demonstra uma coisa:
– Um desespero de tamanha ordem, que nem a Serra da Estrela conseguiria tapar.
Raciocinando numa generalização, os pensionistas que ficaram irritados com o corte de pensões proporcionado por Passos Coelho, colocam as questões culturais, educacionais ou infraestruturais à frente da sua reforma, da qual estão vulneráveis? Se não quisermos ser politicamente corretos, respondemos que não. É ilegítimo? Sendo o voto secreto, devemos colocar-nos nos sapatos daqueles que colocam a sua reforma no topo das prioridades individuais, tendo em conta que o Estado conseguiu torná-los dependentes dele.
Dessa forma, milhares e milhares de eleitores do CHEGA votaram legitimamente por outros motivos que os preocupam. Por exemplo, podemos dizer que um segmento deste eleitorado votou CHEGA porque está fartos do atual estado das nossas fronteiras, que neste momento só existem no nome.2
É uma “doença mental” querer um país fiel à sua identidade histórica e sem organizações criminosas que entraram com o cavalo de Troia da imigração descontrolada da última década?3 É uma “doença mental” querer um país seguro quando existem cada vez mais evidências da deterioração da segurança deste país?
Enquanto ouvia Miguel Sousa Tavares, só me conseguia lembrar desta frase de Theodore Kaczynski: “O conceito de “saúde mental” na nossa sociedade é definido em grande parte pela medida em que um indivíduo se comporta de acordo com as necessidades do sistema e o faz sem mostrar sinais de stress.”4
Prosseguindo para outro exemplo, uma boa parte dos eleitores do CHEGA estão fartos da impunidade e privilégios de certos segmentos da sociedade, indo de determinadas comunidades com altos índices de subsidiodependência aos políticos corruptos que passeiam livremente por Portugal.
É uma “doença mental” querer uma reforma na justiça? Querer penas exemplares para quem comete crimes e um reforço na condição dos polícias? Estes eleitores até podem não saber descrever as propostas do CHEGA que são apresentadas na AR ou no programa eleitoral. Aliás, nem têm obrigação de o fazer para poderem votar. Esses eleitores têm confiança na forma como André Ventura e outros quadros se posicionam publicamente perante várias problemas nas suas redes sociais do partido ou na televisão quando são apresentadas ideias do CHEGA.
Logicamente, se sentem segurança no discurso, votam neste partido. Os outros partidos simplesmente foram incompetentes na transmissão da sua mensagem para esse eleitorado no mercado concorrencial de discursos e ideias.
Miguel Sousa Tavares, tal como outros comentadores frustrados com o resultado eleitoral, faziam melhor figura se percebessem isto. Enquanto não entenderem, vão continuar a olhar para os eleitores do CHEGA como inimigos na sua luta pela preservação do atual sistema, aquele que estagnou Portugal na cauda da Europa e não cumpriu com os portugueses.
Por motivos materiais, de facto não há interesse numa grande partes das elites hodiernas em mudar esse sistema nos setores económicos, políticos ou culturais. Um problema para os MST´s desta vida, é que estampar o rótulo de “deploráveis” ou “miseráveis”, como Hillary Clinton fez nos EUA, não resulta. Pelo contrário, só motiva a uma maior contra-resposta.
Talvez as atuais elites percebam isso tardiamente.
Infelizmente, arrisco-me a dizer que o futuro de Portugal depende dessa incompetência.
Links
- https://www.youtube.com/watch?v=Fi0U-6Vyujw
- https://sicnoticias.pt/programas/poligrafo/2024-03-11-Chega-obteve-mais-votos-nas-cidades-com-mais-imigrantes–133f378a
- https://folhanacional.pt/2023/12/15/maior-organizacao-criminosa-do-brasil-ja-esta-em-portugal/
- The Unabomber, Theodore Kaczynski (2005). “The Unabomber Manifesto: Industrial Society and Its Future”, p.52, Filiquarian Publishing, LLC.