quinta-feira, 19 setembro, 2024
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Como acabar com o IMI (realisticamente)

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O motivo

O IMI é um imposto aberrante. Num país que diz querer cumprir o artigo 65º da CRP, o direito à habitação, as atuais políticas fiscais têm contribuído para tudo e mais alguma, exceto a concretização do direito (positivo ou negativo) à habitação.

Na lógica de um georgista, ou seja, alguém que apoia a doutrina económica de Henry George, um famoso economista britânico do século XIX, este imposto tinha potencial para ser disruptivo e até criar as bases de um mercado mais livre.

Para George, um imposto deveria substituir todos os outros impostos existentes, porém, esse imposto seria aplicado não no trabalho ou consumo, mas sim na quantidade de terra que uma pessoa ocupa. Sim, ocupa, pois, a terra que pisamos é solo de Portugal, logo, em última instância, é dominada pelo Estado português.

Quanto mais terra uma pessoa tivesse registada enquanto sua propriedade, mais imposto pagaria segundo este autor. Tal incentivaria a tornar essa mesma terra produtiva ou a distribuir quantidades da sua propriedade para outros que a quisessem tornar rentável. Ao contrário do IMI, ninguém seria penalizado por desenvolver ou investir na sua infraestrutura, pois o imposto seria proporcional em relação à quantidade de terreno. Uma variável relativa ao valor do terreno devido a eventuais vantagens geográficas também pode ser equacionada.

Tendo em conta esta hermenêutica racional de taxação por ocupação de um terreno, baseada num liberal, podemos compará-la com o atual IMI e perceber que este é uma versão deficiente do que o Georgismo propõe. É um imposto que penaliza quem quer investir na sua propriedade e em nada incentiva a uma superior eficiência do mercado, já que não está estruturado de uma maneira que permita ao Estado financiar-se para se ver livre de uma série de outros impostos e taxas. É apenas mais um imposto para acrescentar à lista e justificar uma maneira dos políticos financiarem o Estado em troca de nada.

Por último, o custo dos impostos incorporados na compra de uma propriedade é abrupto. Continuar a pagar por algo que já é nosso torna-se injustificado. Ter um teto não é um luxo, ou pelo menos não devia ser.

Governar é complexo

Uma vez feita a análise sobre o quão mau este imposto é, levanta-se a questão:

“Ok Francisco, já percebemos que este imposto é mau, mas, como é que acabamos com ele? Não basta ter uma maioria de direita e extingui-lo?”

É uma excelente pergunta, caro leitor. Não basta prometer que se vai chegar ao governo e fazer X ou Y. A complexidade da política obriga até os mais fanáticos ideológicos a tomarem decisões que vão contra os seus ideais em nome do pragmatismo.

Vejamos o caso do XIX governo constitucional de Portugal. O último executivo do PSD é conotado como um governo de péssima comunicação porque os cidadãos não compreendiam o motivo de muitos sacrifícios serem feitos nem a justificação de muitos atos, mesmo que uma parte deles tenha sido efetivamente errónea. No lado oposto, o PS teve governos com péssimos hábitos e atos, porém, dotado de uma excelente comunicação que conseguiu pintar oito anos de estagnação e degradação com cores vivas.

Um governo de direita terá de aprender com esses erros. É preciso operar mudanças legislativas sem que os objetivos da manutenção das contas do Estado, qualidade dos serviços e responsabilidade governativa caiam em cima do governo, de forma que este saia fragilizado. Um exemplo vivo nas nossas memórias foi a constante tática de António Costa em atirar as culpas para cima das Câmaras municipais enquanto se desculpava com a descentralização.

Na prática

No caso concreto do IMI, não proponho que se extinga este imposto por decreto. A direita que quer acabar com o IMI deverá, numa primeira fase e de forma pragmática, permitir legalmente que as Câmaras possam adotar uma política de “IMI 0” nos seus municípios, algo impossível nos dias de hoje devido à taxa mínima de 0,3%, passando o poder de decisão para a esfera local.

Esta ótica municipalista tem um motivo baseado na concorrência. O que não faltou foram congratulações aos executivos camarários que recentemente demonstraram ser possível obter superavits na política autárquica portuguesa. Um exemplo bastante concreto foi a Câmara do Funchal, que para além de participar no exercício do benefício fiscal do IMI familiar, conseguiu um excedente orçamental de 20 milhões de euros em 2022, sendo que as receitas de IMI rondaram os 16 milhões de euros.

A forma como se deverá gerir a dívida das Câmaras e o porquê de algumas terem superavits (in)justificados fica para outro artigo. O ponto é que as Câmaras de direita deverão dar o primeiro passo na eliminação local do IMI. Quando isto acontecer, daremos argumentos à direita sob ocupação autárquica esquerdista para atraírem o eleitorado nas suas respetivas campanhas autárquicas. Incentivar a que se racionalizem despesas desnecessárias de forma a criar espaço para participar nesta tendência é igualmente benéfico, não só para o político de direita que quer um Estado mais coeso, mas também para o contribuinte.

Se a esquerda não for atrás, ganhamos eleitoralmente. Se a esquerda for atrás, ganhamos fiscalmente. Além do mais, é impossível um partido alienígena ao sistema contruir algo novo sem uma estrutura de apoio e legitimidade bottom up. Portugal precisa de um novo sistema deselitizado e construído das bases para o topo, ou seja, o oposto do atual sistema partidocrático que é formatado a partir da vontade das turvas e tradicionais cúpulas superiores.

Qualquer culpa atribuída ao executivo, relativamente ao desfalque de 1.539 mil milhões de euros previstos no Orçamento de Estado de 2024, é desculpável do ponto de vista democrático no combate à centralização legalista que existe na grande maioria dos impostos.

Com uma eventual descida das receitas do IMI ao longo de um mandato legislativo, que apanharia normalmente umas eleições autárquicas pelo meio, reduzir-se-ia o peso orçamental do IMI, atenuando o custo de adaptação à perda fiscal, assim como o custo total de perdas em termos de receita numa perspetiva orçamentista, num Estado com graves dificuldades em apresentar-se saudável nas suas contas sem penalizar o contribuinte.

Acredito que esta é uma estratégia mais produtiva, democrática e racional de cumprir algo que a direita há muito deseja, mas pouco tem discutido. Essa mesma direita não vai ter muitas oportunidades de sentar em São Bento, consequentemente, todo e qualquer ato na transfiguração da atual máquina estatal deverá ser feita de forma planeada e sem dar um milímetro à esquerda. Os últimos oito anos já foram suficientemente penosos.

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