Quão irónica é a ideia de que nos é exigida moralidade de quem parece não se preocupar com ela? Hoje são-nos pedidos (ou exigidos pelo “bem de todos”) alguns comportamentos. Que sejamos vegetarianos porque não é moral comer carne. Que sejamos de esquerda porque não é moral ser de direita. Que sejamos LGBT porque não é moral ser heterossexual. Que sejamos de uma minoria porque não é moral ser de uma maioria.
A questão principal é: quando é que atribuímos autoridade a estas pessoas para definir o que é ou não moral? Quanto mais tempo passa, maior é o controlo exercido nas nossas vidas. Politiza-se o “impolitizável”, apelida-se de descriminação as observações objetivas da realidade e tratam-se os opositores políticos como criminosos que merecem ser punidos.
É uma forma de estar imensamente arrogante. Forma essa que foi banalizada e tornou-se digna de uma reflexão.
E que tal…meterem-se na vossa vida?
É preciso uma arrogância extrema para acreditar na ideia de que se algo nos faz sentido é porque está certo moralmente. Pode até ser uma vertente da análise, mas nunca poderá ser a única. Noto imensas vezes que este moralismo está de mãos dadas com essa arrogância. A arrogância de nos acharmos moralmente irrepreensíveis, permitindo assim que possamos dizer aos outros o que é correto ou não.
Relembra-me muito aquela ideia (utópica) do “ubermensch” de Nietszche. Era uma teoria de uma obra belíssima de Nietzsche em que era transmitida a ideia de que o “além do homem” ou “ubermensch” era alguém que conseguiria libertar-se de todas as amarras, dogmas, tendo os seus próprios valores e sendo um ser para lá do homem. É claramente a ideia mais romântica e utópica de Nietszche, visto que para nós a discussão sobre o certo e o errado sempre partiu da ideia do divino. Era algo superior a nós. Agora é do foro pessoal ( o que nos ascende até perto de Deus) e por isso tornou-se extremamente negociável e flutuante. Coisa que não era, visto que o bem e o mal tinham algumas bases genéricas estabelecidas e ainda que alguns possam apelidar essas bases de “opressão”, eram só mesmo bom senso. Essa perda pode ser claramente danosa e, aliás, já o está a ser.
Os moralistas explicam-nos constantemente que a liberdade de expressão deve ser priorizada. A liberdade de ação deve ser ampliada. O orgulho em nós mesmos deve ser recompensado. Menos quando essa liberdade de expressão é utilizada para se opinar contra comunidades que capitalizam minorias (ainda que essas minorias possam ser inventadas consoante a necessidade de quem capitaliza delas). Menos quando a liberdade de ação for utilizada para ser crente e quiçá que ter valores definidos. Menos quando esse orgulho em nós mesmos representar alguma espécie de patriotismo.
As mesmas pessoas que dizem estar na luta pela liberdade e são “anti opressão”, são as mesmas que querem incutir a sua visão de moralidade nas vidas de quem eles próprios consideram imorais. Que viagem estupidificante e arrogante.
São muitíssimo morais…E daí?
Reparo que este moralismo é contraproducente. Porque? Bom, há uma ideia que é muito transmitida de forma religiosa (que creio que é sempre necessária de ser tida em conta, sendo que estamos a falar de moralidade) que tem a ver com a moralidade quando “ninguém está a ver”. Que moralidade é esta? Há textos muito interessantes que afirmam que a verdadeira moralidade são as ações que nós temos quando não temos nada a ganhar ou quando ninguém está a ver. É de fácil compreensão que estes moralistas estão mais preocupados com as interações que receberão nas redes sociais do que com as causas que dizem defender.
Com bandeiras que não compreendem, reivindicações irrefletidas e com os tão conhecidos “argumentos cassete” (visto que têm um script durante o debate genérico de um determinado assunto mas quando o assunto é aprofundado apercebemo-nos imediatamente da falta de noção que envolve essa militância cega) temos a descrição ideal do moralismo atual.
E claro, aparentemente, seja com que causa for, se for para o “bem de todos” qualquer meio é válido. Na parte climática furam-se pneus, bloqueiam-se estradas, atiram-se tintas e os media ainda têm a audácia de apelidar estes vândalos de “ativistas”. Na parte da ideologia de género (sim, porque é uma ideologia e não passa disso) temos casas de banho mistas (qualquer pessoa pode decidir qual irá frequentar consoante o género com que se identificar mais naquele dia, o que quer que isso signifique), homens biológicos a competir com mulheres no desporto e a normalização da sexualização de menores. E adivinhem, quem se opuser a estas loucuras é moralmente condenável e inferior. As pessoas não gostam que se discorde delas e a maior parte das pessoas opta mesmo por não se manifestar para não enfrentar a possibilidade de discórdia. Mas ainda que possam não ser incentivados a discordar, devem pelo menos ser respeitados e livres para o fazer. Essa possibilidade de existir discordância é a prática mais saudável da democracia.
O que é certo, pode até parecer claro. Mas o que é moral? Sendo que essa definição não existe genericamente nos dias de hoje e depende apenas de cada um, o que se deve apoiar? O que nos parece intrinsecamente certo ou o que algumas pessoas ideologicamente obcecadas defendem como moral? Acho que essencialmente tem a ver com as ideias que se fazem difundir. E se algum líder político, ativista ou uma pessoa comum, fizer difundir a ideia de que é imoral discordar, pôr em causa ou até mesmo questionar as ideias dessa mesma pessoa, estarão a assistir a tiques ditatoriais.
Portanto sim, e daí? No meu entender das questões atuais, nomeadamente a disseminação de critérios de moralidade completamente imorais têm apenas a ver com a luta pelas causas (que muitas vezes são criadas artificialmente) para a implementação de algo maior que transcende qualquer objetivo secundário que estas causas possam ter. Talvez as bases fundadoras Ocidentais possam vir a ser a salvação da sociedade Ocidental como nós a conhecíamos.
Enquanto seres limitados que somos existem imensas coisas que não estão ao nosso alcance. Ainda que as visualizações nas redes sociais possam parecer atrativas, não existe nada mais triste e deprimente do que alguém sem rumo delinear o caminho dos outros. Moralidade e delineação de valores são questões do plano divino e devemos ter a humildade de perceber o lugar que ocupamos neste mundo.