Como estrangeira na Suiça estou acostumada a ler e ouvir falar de referendos e iniciativas o tempo todo. Mas a que foi entregue no dia 21 de Novembro na Chancelaria Federal Suiça, surpreendeu-me.
Sendo a Suiça a única democracia direta na Europa (orgulhosamente só), a sua população, além das eleições, tem duas ferramentas para intervir na política do país: referendos (obrigatórios e facultativos) e iniciativas populares.
Neste texto falarei apenas das iniciativas.
Alguns factos:
-São de iniciativa popular
-São propostas de mudanças na Constituição
-Depois da proposta anunciada, os iniciantes têm 18 meses para recolher 100 000 assinaturas de cidadãos suiços
-Recolhidas as assinaturas, a proposta é entregue na Chancelaria Federal, a quem compete a verificação das assinaturas e do texto
-O governo analisa a proposta, emite uma recomendação e envia ao Parlamento para discussão.
-Apurada a validade da iniciativa, esta será submetida a referendo nacional se o caso disser respeito ao país, ou cantonal se for algo que diga respeito apenas ao Cantão. Por exemplo, no dia 24.11.2024, houve referendos na Suiça inteira mas apenas no Cantão Uri se votou para permitir a construção de um resort em Isleten.
Embora, muitas iniciativas nunca tenham sido aceites (desde 1966 foram levadas 160 a votos e apenas 9 foram aceites), esta é uma ferramenta que pode impedir o governo de legislar ele próprio sobre assuntos impopulares. A ameaça de uma iniciativa pode ser suficiente para impedir tentativas abusivas dos governantes de alterações à Constituição ou tomar decisões que sejam contrárias ao desejo da população.
A 7 de Junho de 1970, James Schwarzenbach lançou a Überfremdungs-Initiative, que visava limitar a entrada de imigrantes no país, limitando a 10% da população em cada cantão. Überfremdung é um termo político para definir o excesso de estrangeiros, influenciando de forma negativa a identidade e cultura nacional. A iniciativa foi rejeitada em referendo nacional com 54% dos votos, mas mostrou a força do sentimento anti-imigração existente no país, influenciando debates políticos até hoje.
Por saber disto e das iniciativas interpostas pelo SVP-SchweizerVolksPartei (direita-conservador), a Iniciativa «Für ein modernes Bürgerrecht» (por um direito civil moderno), surpreendeu-me.
A inciativa pretende mudar a Constituiçâo, permitindo a aquisição de cidadania suiça após cinco anos a quem:
-Tenha vivido na Suiça nos últimos cinco anos-
-Não tenha sido condenado a pena longa de prisão
-Tenha conhecimento básico de pelo menos uma das línguas oficiais do país
-Não seja uma ameaça à segurança interna e externa
O argumento :
“Cerca de dois milhões de pessoas residentes na Suiça, não possuem o Passaporte suiço. Elas nasceram aqui, vieram em crianças para cá ou imigraram como adultos. Elas sentem-se em casa na Suiça e é aqui o centro da sua vida, mas não têm direitos políticos. Já é tempo de reconhecer estas pessoas como cidadãos iguais com os mesmos direitos e reconhecê-los como integrantes plenos da sociedade.”
Os iniciantes pretendem que a atribuição da cidadania seja simplificada e que as regras anteriores sejam deixadas nas “caixas de naftalina da História” (é isto mesmo que dizem!).
Hoje, para poder requerer a nacionalidade (ou o passaporte vermelho como alguns dizem), é condição estar aqui há pelo menos dez anos, ter conhecimento da língua, ter registo criminal limpo e não ter dívidas. Além disso, é necessário passar por uma entrevista onde são feitas perguntas de cultura geral, algumas das quais nem os nativos saberão responder e tendo a noção de que tudo depende do que os entrevistadores acharem ser importante. Pode dizer-se que, embora esta entrevista seja baseada em critérios objectivos, a sua avaliação pode ser subjectiva pois depende muito das considerações dos entrevistadores.
A requisição da cidadania tem que responder a três níveis de critérios:
-Federal, cantonal e local
-Os critérios são diferentes e às vezes subjectivos
Ainda que seja importante que não se atribua a nacionalidade a “qualquer um”, a verdade é que acontecem situações caricatas e injustas.
A minha opinião: Penso que o tempo actual de dez anos, é razoável e cinco anos é absolutamente exagerado. Penso ser importante moderar os critérios e facilitar a atribuição do passaporte vermelho a quem more no país há pelo menos 10 anos, demonstre estar integrado, tenha conhecimentos da língua da região onde mora, sem cadastro ou com delitos leves, não seja uma ameaça à segurança do país e que demonstre ser uma pessoa de valor para o país. Acredito que da forma como a iniciativa foi elaborada e principalmente por causa do tempo dos cinco anos, não será aprovada quando for a referendo.